Se aquela viagem até Londres foi turbulenta, serei
sincero: eu não percebi. Após dez minutos a decolagem, eu dormi e só fui
desperto novamente por Madeleine, a comissária de bordo que trabalhava para os
Baumgartner há cinco anos, quando estávamos pousando na Inglaterra. Madeleine
era uma pessoa que não trazia muitas ambições consigo – a única que demonstrou
frequentemente naquele tempo em que a conhecia foi a sua ânsia por conhecer o
mundo, o que a profissão lhe proporcionava com frequência.
Madeleine era uma mulher bonita, posso dizer-lhes com
firmeza, mas com essa mesma certeza posso expressar-lhes que eu não me sentia
atraído por ela. Seu porte e suas características correspondiam aos de uma
jovem moça francesa; seus fios de cabelo eram louros esbranquiçados e seus
olhos eram verdes-esmeralda, o que contrastava bem com a sua pele branca e
sardenta. Isso tudo poderia fazê-la soar como uma modelo da Dior rapidamente,
mas a sua paixão era sua formação em Turismo e tudo o que ela queria para si
era morrer exercendo sua profissão. Madeleine não me atraia em nada, para ser
explicito; seus cabelos e olhos pareciam algo fora do comum, mas parecia que
isso a tornava superficial demais – e eu não admirava essas coisas.
A comissária me informou de imediato, assim que
pousamos, que Caius esperava-me. Meu amigo dissera-me que cometeria tal ato,
mas julguei que aquilo não importava já que tal situação não cabia-lhe muito, e
seu motorista também estava ali – pertíssimo do carro, entretanto. O bom humor
de ambos estava bem visível também e eu já tinha ideia de que tal reação não
tinha nada relacionado a minha presença em Londres; era óbvio, de alguma forma,
que Caius tivera sucesso em algum de seus negócios e estendeu sua felicidade
aos seus empregados ao dar-lhes alguma remuneração a mais.
Eu sorri ligeiramente ao me aproximar dos dois. Isso também
era um sinal bem específico de que haviam notícias de Isabella para mim – e eu
realmente ficaria bem se minhas suspeitas fossem reais.
— Creio que a viagem do Príncipe Soberano de Liechtenstein
foi ótima, visto a cara de sono do mesmo — Caius disse para mim como se eu
fosse uma outra pessoa; como se eu sequer estivesse ali.
Eu não repreenderia Caius, pois cometer esse ato era
dificílimo para mim já que eu me sentiria péssimo depois – era sempre o que me
acontecia, afinal – e, certamente, eu não obteria sucesso e vantagem algum com
isso. Contudo, eu sabia que podia brincar com ele, mesmo se eu utilizasse uma
grande dose de humor negro – ele tentaria me fazer crer que não gostou do tom
utilizado, mas depois levaria tudo na brincadeira, como sempre.
— Talvez eu tenha dormido um tanto melhor que você. Pela sua
cara, você não gostou dos brinquedos novos que Athenodora levou para a noite
selvagem de vocês — eu afirmei, dando uma risada sarcástica. — O que ela
resolveu fazer dessa vez que era fora do comum?
Ele revirou os olhos antes de dizer-me alguma coisa que
realmente valesse:
— Eu não tenho nada a dizer sobre esse assunto, Edward; eu
não tenho comentários sobre essa história. Então paremos com essa ladainha que
sempre temos e entre no carro — ele disse e vendo que a minha intenção não era
fazer o que ele me disse, rapidamente ele completou tão logo viu seu motorista
colocar suas malas no bagageiro do carro: — Eu não tenho o dia todo e,
tampouco, paciência para suas besteiras do dia-a-dia, então apenas faça o que
eu lhe peço. As notícias de sua Isabella estão esperando para serem ouvidas.
Caius era do tipo de homem que mandava e estava acostumado a
isso desde pequeno, pois, simplesmente, nascera e fora educado para ser desse
jeito e, coincidência ou não, fora basicamente a mesma forma que eu fui criado,
por mais novo que eu fosse. Nós nos dávamos muito bem assim e mesmo que
tivéssemos nossas farpas, a amizade, que perdurava há anos, valia muito mais
nesse caso. Então, o acordo era o seguinte: levávamos tudo na brincadeira ou
teríamos desavenças, o que nunca aconteceu nesses quase vinte anos de amizade.
Fiquei surpreso ao não encontrar a peste que ele chama de
filha filha dele dentro do carro. Geralmente, no que se tratava sobre mim, Tanya
era a primeira a sair correndo ao meu favor, por mais que nós tivéssemos nossas
cizânias. Infelizmente, ela queria que eu lhe desse uma atenção que não me
cabia dar e eu ainda me impressionava com o fato de ela, com seus míseros
catorze anos, querer algo comigo. Eu não faria isso com o meu melhor amigo e
não sujaria minha reputação por ficar com ninfetas,
porque, na minha visão, era isso que Tanya era – uma ninfeta abusada.
Quando já saiamos do aeroporto, ele começou a falar:
— Eu tenho uma boa e uma má novidade para você. Qual você
prefere primeiro?
— Comece pela má.
— Ao que me parece, você é mais sábio do que parece
quotidianamente — ele quis brincar, mas isso não deu certo, então deu de ombros
e resolveu continuar: — Primeiramente, como você pediu, a pesquisadora das
notícias de sua amada é Anthenodora,
e, portanto, estou adiantando coisas que ela lhe dirá profundamente mais tarde —
ele disse, rindo ligeiramente. — A Isabella está em uma sessão de reuniões essa
semana. Ela recebeu um montante de convites para trabalhar como professora em
algumas universidades aqui na Inglaterra e ela está bem requisitada, inclusive…
— Isso não é ruim — eu articulei, por cima das palavras dele.
— …e ela embarcará para cá na parte da tarde de hoje. Ficará
em Oxford, logicamente.
— Cadê a parte ruim nisso? — eu disse, insistindo no assunto.
— A parte ruim em tudo isso — Caius começou, ligeiramente
irritado pelas minhas constantes interrupções — é simplesmente que se você não
for rápido o bastante e tentar se explicar com sua querida Bella — o apelido de Isabella saiu de uma forma agressiva e cuspida
da boca dele, como se ele, repentinamente, defendesse-me pela atitude que tomei
quando geralmente essa não era a atitude tomada por ele, por mais que me
ajudasse a sair de Toronto naquela noite fria, nas minhas férias com os Swan —,
outro homem pode roubar o lugar que ela esquentou tanto tempo para você,
esperando por ti. Ela está pronta
para dar alguns passos inofensivos e
te tirar da cabeça; sua Bella está
desistindo de você aos poucos, meu caro amigo, por conta de um estudante de História!
A notícia me pegou um pouco de surpresa. A palavra desistir era muito forte; desistir significava, para mim, o mesmo que esquecer ou, até mesmo, abandonar todo e
qualquer pensamento que me tenha relacionado para trás, em um passado distante
que jamais seria tocado novamente, me tornando menor que o pai dela, que
abandonou a família antes mesmo de ela completar doze anos; ela estava desistindo de tudo o que nós tivemos ao
longo daquele tempo em que fiquei com ela.
Contudo, o que me pegara realmente de surpresa não fora a
notícia, por mais dolorida que esta fosse, e sim o fato de Caius, até o dia
anterior, não me adiantar exatamente nada sobre Isabella por mais que, a
negócios e para saber notícias sobre minha amada, Athenodora tenha se
estabelecido entre Boston e Nova York por duas semanas. Aquilo me perturbou. A
única coisa que eu sabia era um mísero “O irmão dela marcou o casamento com a
noiva”, blábláblá, “e, às vezes, aos finais de semana, ela sai com Rosalie.”
Caramba! O que custava falar-me a verdade? O filho de uma mãe abençoada mentiu
para mim e eu não achei nada disso justo comigo!
— Lügner! — eu o disse, em ira, provavelmente ficando com o
rosto vermelho de tanta raiva que sentia dele naquele momento. — Caius, você é
meu amigo e sabe o quão importante Isabella é para mim! Lügner! Lügner!
Dummkopf lügner!
— Eu sei que você está me xingando, Edward.
— Que bom que você sabe. Dummkopf lügner!
— Vamos parar com o seu melodrama, por favor? Goethe não está
fazendo muito bem para você, então pare de lê-lo como se fosse uma Bíblia, pelo
amor.
— Eu não tenho como ler Goethe porque ele já morreu, Idiot!
Eu leio a obra dele!
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TRADUÇÃO (Livre):
Lügner: significa mentiroso, em alemão.
Dummkopf lügner: significa idiota mentiroso, em alemão.
Idiot: a grafia e significados no alemão e no inglês são
semelhantes, ou seja, idiota.
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— Você entendeu o que eu quis dizer. Eu sei muito bem que fiz
uma figura de linguagem, uma metonímia. Você me encheu totalmente a cabeça com
essa coisa que eu não me esqueço mais — ele disse, tentando manter a calma. —
Posso ir para a parte boa da história toda ou vai continuar parecendo uma
garotinha de quatorze anos?
— Pode ficar tranquilo que eu não sou a sua filha, meu caro —
ponderei, de malgrado. — E sobre a metonímia, quem pediu aulas? Você! Então a
obrigação era sua de aprender e minha, de lhe ensinar — eu suspirei profundamente,
passando a mão na face, antes de voltar a falar. — Ok, desculpe-me. Meu dia não
começou muito bem hoje por causa do Demitri, que já começou tumultuando meu
café-da-manhã. Só não o chamo de filho-da-mãe, mas em uma linguagem de baixo
calão, porque Esme era minha mãe também.
— O sem-noção resolveu aparecer?
— Enfim, o sem-noção resolveu aparecer, mas ele é assunto
para depois. Fale-me sobre Isabella — eu continuei, tentando segurar minha
irritação.
Caius me olhou como se eu fosse um bipolar. Às vezes, por
conta do estresse, eu realmente achava que era isso, mas, de alguma forma, tudo
o que estava relacionado à Isabella me trazia um rio de emoções. Ela era o meu
autocontrole e o meu descontrole; um remédio; uma espécie de carbamazepina para
mim,.
— Você precisa procurar um terapeuta — ele riu após o
comentário. — Voltando ao nosso assunto inicial, Isabella aproveitará e fará um
ciclo de palestras fornecidas pela própria Universidade de Oxford, que a quer
como professora urgentemente, e como ela era aluna da Oxford norte-americana,
obviamente ela tem certa vantagem com eles.
— E ai começa a parte boa?
— Sim, sim — ele proferiu, assim que adentramos a rua em que
ficava o condomínio em que ele morava junto a filha e minha prima. — Você
assistirá a duas palestras dela. Seu nome já está na lista. Como eu sabia que
você resistiria e provavelmente não iria por desconhecer o que ela acharia
sobre o assunto, eu coloquei o seu nome lá, sim, e vou te vigiar. Às vezes,
você precisa de um pouco mais de atitude que simplesmente achar; de achismos
não se fizeram grandes pensadores como Trotsky ou Marx.
— Você não acha que está sendo um pouco equivocado? — disse
eu. — Você está mais para pequeno burguês à socialista.
— Mas nem por isso eu vou deixar de entender outros meios
políticos; você o fez, então eu não entendo o fato de não poder fazer o mesmo —
ele comentou quando o motorista parou o carro na garagem externa da grande casa
e esperou um pouco mais para que continuássemos nossa conversa fora do carro. —
Você não tem nenhum compromisso na parte da tarde, nem no começo da noite.
Amanhã o dia será um pouco mais corrido para você, pois haverá um compromisso
após o outro. Hoje, portanto, você sairá comigo, a Athenodora e Felix; nós
iremos a um pub e faremos você relembrar seu tempo de plebeu. — quando eu ia
abrir a boca para retrucar, ele continuou: — Ed, futuro primo querido, você não
trabalhará hoje. Pode repousar seu notebook na escrivaninha daquele quarto que
conheces bem e fique quieto.
Eu não iria retrucar. Na verdade, se o inferno não tivesse
começado exatamente três segundos depois – exatamente
três segundos depois – talvez eu seria capaz de fazê-lo, mas por causa daquela
garota – que, possivelmente, estava esperando atrás da porta do hall ou estava
observando, de alguma janela, a chegada do carro negro –, eu não fiz. E ela era
impossível. Por mais que eu lhe confessasse, constantemente, que eu não via
nada de atraente nela, isso só a fazia ficar mais e mais insistente. A pior
parte era que o próprio pai daquela garota não via nada disso e eu ficava cada
vez mais irritado. Madonna mia!
— Olá, papai — Tanya disse, recebendo automaticamente um
beijo na testa de seu pai tão logo foi cumprimenta-lo – e eu sabia que tudo
aquilo era um pouco de falsidade. — Oi, tio Edward — e ela veio para cima de
mim, no intuito de abraçar-me e o fez, porque eu, literalmente, nunca sei como
agir nessas situações, e ela era, simplesmente, muito incapaz de aceitar um não
como resposta. — Você parece muito cansado dessa vez. Como foi a viagem?
— Normal, creio eu — eu a respondi, tentando ser o mais seco
que conseguia – e não conseguia ir muito além disso, principalmente depois da
nossa última conversa, na qual fui incisivo, mas parecia muito que ela não
aceitara muito bem aquilo ou, simplesmente, tinha se esquecido de tudo. — Athenodora
está em casa?
— Sim, na biblioteca. Ela está fazendo alguns trabalhos da
empresa, então…
Interrompi-a.
— Ela não se incomodará se eu for interrompê-la.
Era mentira. Quando se tratava de negócios, Athenodora se
incomodava um pouco quando as pessoas interrompiam-na, o que tornava seu
temperamento semelhante ao meu. Sobre pessoas agradáveis, ao meu ver, e que
faziam interrupções uma vez na vida e outra na morte, literalmente, eu não
importava-me sobre o incômodo, mas era com esse tipo de pessoa que eu não
convivia regularmente. Athenodora e Caius entendiam-me muito bem e com algum
milagre.
Primeiramente, acompanhei os empregados deixando minhas
coisas no quarto em que regularmente ficava, que estava bem organizado, da
forma que geralmente ficavam, exceto pela mudança do papel de parede, que foi
substituído de um tom bege para uma tonalidade azulada; fazia parte do feitio
de minha prima e ela já havia me comentado sobre o assunto, falando que eu
seria muito mais agradado da próxima vez que eu fosse até a Inglaterra, a
começar com o fato de ela mesma evitar que Tanya se aproximasse de mim, o que
seria totalmente desagradável caso a garota reconhecesse esse fato.
De alguma forma, eu compreendia a menina, que, por vezes, não
tinha ações de uma menina de sua idade, mas sim de garotas mais avançadas. Ela
agia daquele jeito porque precisava da atenção que sua mãe, seu pai ou sua
futura madrasta não a dava e, portanto, ela recorria a imagem mais próxima de
algum deles para suprir suas necessidades. Era uma situação estranha e triste,
e eu, de alguma forma, me sentia culpado, por mais que não tenha nada a ver com
a criação da mesma.
A imagem de Tanya não me fazia muito bem. Com muito mais
frequência que a desejada, ela me fazia lembrar que Isabella existia e que
muito possivelmente ela estivesse sofrendo por minha partida. Talvez não mais,
na verdade, porque Caius deixara avisado, entrelinhas, que havia alguém muito
perto dela, mais perto do que eu teria desejado. Era melhor que ele tivesse me
poupado de certas partes daquela história, já que não seria agradável descobrir
quem era a pessoa que a explorara; eu, no mínimo, trucidaria o sujeito sem o
mínimo de dó ou piedade. Eu ainda
amava aquela mulher e ninguém tinha o direito de passar por cima da minha
autoridade, por mais inexato que eu fora. Foi um filho da mãe, um cafajeste e
muitas outras coisas mais, mas ainda assim…
Rejeitei as minhas coisas no quarto de hóspedes, após ver que
a governanta daquela casa começara a guardar minhas roupas no closet ou no
banheiro. Eu precisava falar com Athenodora sobre um montante de coisas e ela
era, nos últimos tempos, a minha conselheira mais fiel e expunha seu ponto de
vista como mulher; logicamente, Caius era um grande conselheiro e meu melhor
amigo, mas no que se tratava de uma opinião feminina, era Athenodora a quem eu
recorria – logicamente, após a burrada que fiz, se Esme estivesse viva, eu
teria recorrido à ela primeiramente, mas não era o caso.
Entrei no curto corredor que levava ao escritório de Caius e
à biblioteca, lugar o qual, constantemente, via-se minha prima trabalhando.
Bati na porta de carvalho antes de pedir licença para adentrar o ambiente;
automaticamente, fui recebido com um sorriso.
— Adentre logo, Edward, e sente-se — disse ela, retirando o
notebook de seu colo e saindo, prontamente, da posição folgada em que se
encontrava, ficando mais alinhada. — Se Sulpicia me visse desse jeito,
obviamente desaprovaria, se não me mataria — completou Athenodora,
levantando-se, por fim, de seu lugar, para que pudéssemos nos cumprimentar. —
Avisar que você chegou foi a primeira coisa que Tanya fez após a entrada de
vocês. Estava até imaginando que você ia causar um reboliço nessa casa por
causa dela ou ela faria isso com você, porque você já deve estar imaginando
como está essa menina.
— Ela se comportou um pouco melhor dessa vez quando me
recepcionou. A qualquer hora, eu imaginava que ela me faria cometer uma coisa
contra a minha vontade e que é ilegal — minha prima ficou boquiaberta com o que
eu falei, achando que eu era algum tipo de monstro que abusava sexualmente de
menores de idade, mas eu logo me corrigi. — Eu não seria capaz de causar algo
do gênero. Não! Você me conhece, Athenodora.
— Desculpe-me, mas foi a única coisa que passou na minha
mente.
— Você me conhece bem. Mas eu estava tão fora de mim que
seria capaz de me passar por Caius a qualquer hora dessas e dar à Tanya uma
bela lição.
Ela riu, por fim, quebrando repentinamente o clima ruim que
se adiantava naquele ambiente. Só então, nós nos sentamos, dessa vez frente a
frente, sentados em um largo sofá cuja estampa era branca com detalhes em
marfim. Daquela forma, ela pegou o interfone e falou com alguém em qualquer
outro cômodo daquela casa para que trouxesse-nos chá e muffins; em breve,
estaríamos no horário do chá-da-tarde, mas por costume, ao qual eu conhecia bem
até demais, ela adiantava.
— Você sabe que, como me pediu, eu estou no rastro dela, não
sabe? Ao menos se lembra disso? — ela perguntou-me rapidamente e esperou apenas
por um confirmar meu para continuar. — Tudo o que Caius te contou foi uma
versão melhorada daquilo que eu vi e ouvi. E posso te contar tudo isso na
integra.
— Athenodora, você não virou amiga de Rosalie.
— Virei — ela afirmou o que eu mais temia. — Precisava fazer
isso por você e conheci a sua futura princesa também.
— Não! Você não fez isso. Se você se aproximar muito dela,
pode feri-la.
— Edward, sobre isso você pode ficar tranquilo porque eu não
vou e não posso cometer os mesmos erros cometidos no passado. Alguma lição eu
preciso tomar sobre o assunto, não é mesmo? — ela suspirou e depois tomou ar
novamente, ligeiramente, na tentativa de criar fôlego para continuar com a
história. — Eu precisei até tomar um pouco de ar para falar sobre o assunto. A
situação parece bem mais complicada do que realmente é, Edward. Eu poderia,
até, chamar de triste. Guardar isso para mim não é muito legal, então você vai
precisar saber. Você é forte o suficiente para isso?
— Creio que sim — disse, ficando cada vez mais confuso.
— Ao que parece, você não era o único a esconder coisas por
Boston. A senhorita Swan e sua família estava escondendo coisas de você, primo.
Eu não conseguia imaginar Isabella escondendo coisas de mim
e, tampouco, a família dela fazendo a mesma coisa. Poderia ser adivinhável para
qualquer outra pessoa, mas para mim tal fato ainda era um pouco impossível.
Contudo, eu tinha certeza de que poderia confiar fielmente em Athenodora sobre
seus artifícios de conseguir o que queria, quando era do propósito da mesma ou
de alguém próximo.
Ter parado para processar um pouco sobre o assunto foi ótimo,
pois foi naquele momento que uma das empregadas da casa, devidamente vestidas
com o uniforme padrão – e que eu sempre achei que mobilizava e desmotivava –,
adentrou, após pedir licença, aquele ambiente. Rapidamente, sobre a mesa de
centro, ela colocou as xícaras, o bule e os muffins, se retirando em seguida.
Isso fez o silêncio pairar sobre aquele ambiente por longos minutos que
pareciam não ter fim jamais, ainda mais quando isso estava aliado ao fato de
nenhum dos dois praticamente fazer nenhum movimento, exceto pegar as xicaras de
chá sobre a mesa. Novamente, isso pareceu deixar o ar carregado.
Precisei parar de cogitar sobre o que os Swan esconderam de
mim. Logicamente, eles tinham o direito de fazer isso porque foi exatamente a
mesma coisa que fiz com eles, mas eu simplesmente não imaginava a gravidade que
aquilo seria ou que teria em nossas vidas.
— Estou cansado de cogitar — confessei. — Não ficarei
queimando meus neurônios em busca de uma resposta que certamente eu não terei.
— Certamente estaria longe de sua cogitação. Lembra uma vez
que você me comentou que a Bella
passou muito mal durante uma viagem de vocês à Nova York e que você insistiu
incessantemente que voltassem para Boston, mas ela não quis?
— Sim, ela falou para mim que passou muito mal, mas me
contaria depois e esse depois nunca chegou porque ela sempre o adiava.
— Talvez esse depois
tenha chegado para ela — Athenodora disse, me deixando cada vez mais preocupado
e tensionado devido minha imaginação. — Ela sempre soube o que tinha, mas
sempre adiava porque ela tem uma vida ativa. Ela desenvolveu uma espécie de
tumor intracraniano que requer cuidado, uma espécie de Astrocitoma, com alto
grau de desenvolvimento de Metástase. Dentro de uma semana, ela fará novamente
todos os exames que já fizera anteriormente, como a ressonância magnética.
Poucos sabiam disso; nem mesmo Rosalie sabia, então não se sinta surpreso sobre
o assunto.
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EXPLICAÇÃO (Livre):
Astrocitoma - É um tumor que se desenvolve na parte inferior da
cabeça, logo atrás do cérebro.
Metástase - É, basicamente, quando o câncer se espalha para
outras partes do corpo.
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— Como você consegue ser tão… fria? — eu disse, perdendo as palavras que estavam presas em minha
boca.
— Por que eu já pensei horas e horas numa forma de lhe contar
isso e não é fácil fazer o que eu estou fazendo, Edward; é só perguntar para
Caius quantas foram as noites que eu fiquei sem dormir apenas pensando nisso,
em como lhe contar isso da melhor maneira possível. Eu nunca quis ferir você
com palavras. Eu também estou mal, Edward, porque aquela pequena antissocial é
capaz de cativar a qualquer um quando se conversa direito com ela; Isabella
sabe ser diferente das demais garotas.
Era um contexto difícil para mim. Eu não conseguiria me
livrar daquela memória tão cedo, eu tinha certeza, ainda mais porque aquilo
tudo se ligava a minha Isabella. Era tão difícil… A vida da minha Isabella
estava, simplesmente, em jogo e tudo o que eu queria, naquele momento, era
deixar todos os meus compromissos de lado apenas para estar com ela,
acalentando-a sempre que fosse necessário.
Eu me culpei severamente sobre aquela situação. Não fosse por
menos, eu estaria ao lado dela – aliás, eu sequer teria saído de Boston para ir
atrás de afazeres que competiram, um dia, a meus pais: teria, simplesmente,
jogado tudo no ar, afinal o que se avaliava naquele momento era a felicidade
dela e minha. Talvez esconder sua doença fosse um modo de se proteger; talvez,
também, ela tivesse previsto que eu escondia coisas dela sobre a minha
verdadeira identidade. O que eu fiz uma grande burrice sem perdão, eu sabia.
— Não se martirize sobre isso, Eddie — Athenodora me disse,
fixando-se no apelido que eu detestava imensamente. — Você não julga a Bella
crescidinha demais para, simplesmente, ficar se preocupando em excesso com
isso. Ela tem idade suficiente para não ficar se passando por pobre coitada.
— Você não entende — proferi, entre dentes.
— Talvez você tenha razão: eu não entendo, não entendo
exatamente, principalmente esse sentimento louco que você tem por Isabella! Eu
entendo tão pouco essa sua dor que eu sequer
fui atrás de notícias sobre Isabella eu mesma! — ela disse, agindo na mesma
linha de ataque que eu, mas diferentemente de mim, ela agia em uma linha de
pensamento muito mais raciona. — Estamos alterados em demasia. Se continuarmos
com isso, nós não sairemos daqui com cara de muitos amigos e a situação se
tornará insustentável, meu querido.
Em resposta, a única coisa que consegui proferir foi:
— Preciso de um cigarro.
Athenodora sorriu, vendo que eu estava dando por encerrada
aquela conversa estressante ainda que estivesse com a notícia latejando em
minha cabeça. A amizade que minha prima e eu nutríamos, ao meu ver, era sagrada
e não por menos, eu queria mantê-la e ao que parecia, ela pensava de uma
maneira semelhante a minha linha de raciocínio.
— Na primeira gaveta da escrivaninha há um maço de cigarros.
Traga-os para nós.
A escrivaninha estava logo atrás de nós. Ela era de carvalho,
tal qual todos os outros móveis daquele cômodo, e também tinha a cor mogno, mas
ao contrário das estantes abarrotadas de livros, por exemplo, a mesma possuía
desenhos feitos em madeira cor de marfim; outra moda inventada por Athenodora
(e por pouquíssimo, se não a conhecesse, eu apostaria que seu desejo de
adolescência era fazer Arquitetura e Design de Interiores e não Administração
de Empresas).
Abri rapidamente a gaveta e encontrei um maço de cigarros
fechado sobre um montante de papel que tinha uma certa importância, pois
abordavam as economias do último semestre da Denali & Denali, a empresa da
família paterna de Athenodora que cuidava da cadeia de hotéis de luxo nutridas
pela mesma família.
Eram documentos que não me interessavam. Dessa forma, peguei
o abençoado maço de cigarro e com a
mesma velocidade fechei a gaveta, seguindo a passos rápidos novamente para
perto de minha prima enquanto tirava o lacre protetor do bendito maço. Não
demoradamente, Athenodora já tinha em suas mãos o isqueiro que repousara o
tempo todo sobre a mesa de centro. E nessa história, com um alto nível de
estresse que estávamos, um quarto daquela carteira de cigarros foi-se embora em
um curto tempo.
— Ao que parece, estamos suficientemente calmos agora — ela
comentou finalmente, repousando sobre o cinzeiro restante do seu cigarro, bem
como colocando o maço bem ao lado do mesmo. — Para ser sincera, Edward, as
coisas não param por ai, mas creio que essa segunda parte Caius já tenha lhe
adiantado, pois foi uma das poucas coisas que eu o falei.
— O futuro-ex-compromisso dela — afirmei.
— Futuro-ex?
— Athenodora, você realmente acha que eu vou permitir que ela
se relacione com outro alguém que não seja eu? Pelo amor, ela já sofreu demais
e eu quero ter a minha chance de me redimir — eu falei rápido demais por estar
afoito e, assim, completei. — Quero a ficha completa do sujeito.
Ela deu uma crise de gargalhada por conta do que eu havia
falado, por mais que ali não tivesse nada humor. Eu, de fato, queria a ficha
completa do sujeito para que eu pudesse vigiá-lo. Bella era minha e, sim, eu
era um desgraçado extremamente possessivo.
— Bella está saindo com um dos seus colegas de faculdade, vamos assim definir. Ele está terminando
agora o Mestrado, mas é um historiador, ou seja, não pertence a mesma área que
vocês, ao menos não por completo. Isso tudo começou após Isabella ser indicada,
como revisora de monografias, a esse sujeito
por um de seus professores.
Oxford me perseguia, só podia ser isso. Ela não parecia minha
amiga há tempos, se bem ela tivesse me proporcionado os melhores momentos de
minha vida. Ao que parecia, entretanto, Isabella estava tomando grandes
proveitos daquele lugar.
— Qual é o nome do sujeito? Quantos anos ele tem?
— Você quer saber se ele tem um porte físico melhor que o seu
também? — disse minha prima, piadista, utilizando a ironia ou humor negro como
um artificio – naquele momento, sinceramente, eu não soube identificar –, mas,
daquela vez, ignorei. — O nome dele é Jacob Black e está na faixa dos vinte e
cinco anos. A família dele e da Carolina do Norte, mas já a certo tempo vivem
em Massachusetts porque o trabalho do pai dele os levaram aquele lugar; e ali
acabaram por se enraizar.
Por fim, ela sorriu mesmo com o meu excesso de possessão. E
eu sorri também, bastante aliviado. Eu estava feliz com o fato de que veria
Isabella mais cedo que o meu esperado; que não precisaria cruzar o Atlântico
apenas para vê-la.
— Espero que você esteja preparado para amanhã. Ela, tenho
quase certeza, ficará também. Eu pude perceber claramente que o sentimento dela
por você ainda está bem acesso, mas ela, por ter certa mágoa de você, resolveu dar
a chance de recuperação ao coração dela e seguiu o pensamento de Rosie.
— Você está chamando Rosalie por apelido? — eu supus; como
ela conseguia certas coisas tão rapidamente?
— Quando sua linha de pensamento é semelhante ao da pessoa
que você precisa cativar, você consegue muita coisa com facilidade, inclusive
chamar seu alvo por apelidos.
— Ah, lógico… — falei, revirando os olhos praticamente no
mesmo momento.
— Edward, não comece a bancar o louco que eu acho que você é
e tampouco comece a queimar os seus neurônios, os poucos que ainda restam nessa
sua cabeça nerd — ela projetou. — Agora faça o seguinte: suba, tome um banho,
descanse e depois coma alguma coisa. Precisamos de você essa noite e…
— Caius me adiantou, pode ficar tranquilo — disse, dando de
ombros.
— Adiantou uma ova! Ele pensa que iremos naquele… pub?
Nós não iremos. Felix e eu somos dois e estamos contra um que acha que um bar
de quinta é um pub e um
desinteressado em qualquer coisa e adivinha,
esse alguém é você, meu querido primo. Vamos ao lugar mais badalado de Londres.
— Ah, não.
— Você não entendeu que não tem escolha, primo. Você vai e
ponto final. E não tente discutir comigo; eu sempre saio ganhando.
Dei uma risada com as ordens de minha prima – como se aquilo
fosse adiantar alguma coisa – e acabei dando uma risada rápida, que variou de
irônica a funesta ou até mesmo cansada – coisa que eu não soube distinguir
muito bem. Isso significava que eu talvez
devesse acatar as ordens de minha prima. Eu havia passado muito estresse
naquele dia, o que tornava-o cansativo para mim. Assim, eu a respondi:
— Vou seguir seus conselhos. Eu já tive muita dor de cabeça
hoje.
— Muito bom — ela disse, batendo palmas falsamente enquanto
eu me erguia do sofá e seguia até a porta da biblioteca. — Agora vá. E se eu
digo isso, não é por mal, mas sim porque sei o que você está passando. Até a
noite, primo.
Sai daquele cômodo rapidamente, fechando a porta em seguida,
e passei as mãos em minha face, reconhecendo o quão cansado eu estava. Eu sabia
que havia dormido a caminho de Altenrhein e, depois, no avião, mas o fato de
ter dormido em um carro e, posteriormente, em um avião não era a mesma coisa
que dormir em uma cama aconchegante, tentando me manter o mais longe possível
de problemas – se bem, após aquela minha conversa com Athenodora, eu tivesse
acumulado mais alguns para a minha vida. Aquilo soava bem diferente.
Deparei-me com Tanya quando subia as escadarias largas em
direção aos quartos. Ela não tinha uma cara muito boa e, pelo visto, estava
planejando fazer uma mudança às escuras, pois levava consigo uma mala de
rodinhas, com a qual segurava com a mão esquerda, e apoiada em seu braço
direito, trazia uma jaqueta – aquilo que as mulheres costumam chamar de… ah…
trenchcoat – marrom. Além disso, ela parecia bem mais pálida do que já era
normalmente e isso me assustou ligeiramente. Quando chegamos basicamente ao
mesmo nível na escada, aproximadamente no meio da mesma, eu resolvi a parar:
— Aonde pensa que vai nesse estado, Tanya?
— Para algum lugar em que sou melhor recebida que a minha
própria residência, tio Eddie, mas isso você não entenderá — ela disse,
avaliativa. — Eu cansei de ser uma coisa, aquela com quem poucos devem se
importar, e, então, eu resolvi ir para algum lugar em que sou melhor recebida.
Vou para a casa dos meus avós, porque lá eu sei que eles me darão o apoio que
eu não terei de Athenodora ou de papai; eles se importam comigo, ao menos. A
falsidade impera nessas paredes; lá, o ambiente é um pouco mais calmo e eu sou amada.
Por pouco, por muito pouco mesmo, eu senti dó daquela garota.
Ela não fora parte do planejamento de Caius e sua primeira namorada e, de
alguma forma, se tornou um estorvo na vida de ambos os jovens, por mais que
tenha sido Caius aquele que ganhou a guarda de Tanya, já que tinha condições de
cuidar da criança; mas não havia amor naquela relação. Meu amigo sempre vigiara
sua filha de longe, pois achava que as empregadas podiam dar conta de suas
reinações, quando não era a verdade. Era como se, repentinamente, nós
estivéssemos no início do século XX e os ingleses continuassem a contratar
empregadas como amas de leite e babás severas para deixar seus filhos andando na linha.
— Eu acho que você não sabe muito bem o que está falando,
Tanya.
— Sei o que falo, tio Eddie — ela disse, insistentemente.
— Vamos fazer um trato? — perguntei.
Ela esperou um pouco, como se avaliasse se era certo ou não
fazer um acordo comigo, como se, repentinamente, eu não fosse uma pessoa certa
para se acreditar – e, talvez, de fato, eu realmente não fosse –, mas, por fim,
ela assentiu e me deixou continuar.
— Dê um tempo aqui e eu tentarei amansar a fera ou as feras e eu realmente espero que
tenha êxito com tudo isso. Terei uma longa conversa com os dois e nesse meio
tempo você continua morando aqui com eles. Caso isso se prolongue, eu já sei o
que fazer — eu continuei, vagarosamente, para que ela pudesse pegar cada
detalhe do que eu falava; cada detalhe do meu plano ligeiramente sem cabimento algum.
— E o que você fará? — ela perguntou com certa curiosidade.
Estava prestes a meter os pés pelas mãos, mas era isso ou ver
aquela garota infeliz pelo resto da vida dela, e eu não queria que ela virasse
uma versão feminina de Edward Cullen
Svensson Baumgartner, pois isso seria péssimo para ela.
— Algo que deve ser desenvolvido com o tempo.
— Tudo bem — ela disse, suspirando. — Eu vou guardar minhas
coisas.
Nas minhas mãos, eu não tinha o melhor dos trunfos, mas eu
estava prestes a ajudar aquela garota. Ela não era flor que se cheirasse, mas
aquela era uma forma de me redimir por desatar os laços que ela construíra em
torno de uma falsa imagem sobre mim. O mito Edward
Cullen não era bem aquilo que ela conhecia; eu era um monstro do qual ela
certamente fugiria se soubesse toda a minha verdade.
Ela subiu as escadas ao meu lado, ainda que mantivéssemos uma
distância grande um do outro e, então, ela se dirigiu para seu próprio quarto,
o qual ficava quase à frente do meu, exceto pelo fato de que estes eram
divididos por um largo corredor. Eu também fiz o mesmo: entrei em meu quarto –
que eu encontrei devidamente organizado, sem sinal de malas – e tranquei a
porta, retirando meus sapatos e a roupa social que vestia e me deitei na cama
sem me importar com o fato de que não usava roupas apropriadas para dormir.
Então, ao sentir as pálpebras pesando, senti que meu sono pesado não demoraria
para vir e agradeci por não ter Goethe em minha cabeceira dessa vez.
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